domingo, 24 de outubro de 2010

“TODA MULHER TEM UM POUCO DE LEILA DINIZ” (Rita Lee)

Magra, cabelos brancos, pele envelhecida pelo tempo, cercada dos seus 12 filhos e 16 netos. Quem ouve a descrição dessa cena imagina que se trata da história de dezenas de avós que formaram uma extensa e tradicional família mineira. Não deixa de ser, mas não é apenas isso. Sem dúvida a vida de Neusa Mourão, 73 anos, daria um filme.
 
Mineira natural de Belo Horizonte, Neusa é a terceira filha de uma família de oito irmãos. Brincalhona e cheia de imaginação como a maioria das crianças, seu passatempo favorito era olhar as estrelas com seu avô Abel. Talvez nesse tempo, já sabia que não queria ser como todo mundo, ou melhor, como as mulheres da década de 40.

ERRO MÉDICO
Aos sete anos, Neusa quebrou o braço direito brincando na piscina. A negligência de uma enfermeira, que o deixou mais tempo do que o necessário no banho de luz, fez com que a menina perdesse os movimentos do braço, que ficou deformado. A partir daí, começou a ser tratada como uma “pobre aleijadinha”, relembra. Na cabeça de sua mãe, Maria, Neusa estava condenada ao maior mal de sua época: não conseguir se casar, ou não com um bom partido. Essa preocupação se estendeu a toda família, menos à própria Neusa, que se preocupava mais em não ser descoberta matando aula para ir ao cinema, sua grande paixão. A Malvada, com Elizabeth Davis, A Marca da Maldade de Orson Welles, dentre outros tantos filmes, alimentaram ainda mais a imaginação de Neusa. Mas, quem conquistava seu coração era Frank Sinatra.

Quando a juventude chegou para as irmãs Mourão, desabrochou uma beleza que chamava a atenção de quem as via, em especial quando a caçula Lourdes, ou Lourdinha, como era conhecida, passava. Neusa, sempre de vestidos de mangas compridas para esconder seu braço, tinha a tarefa de vigiar Lourdes quando ambas saíam para ver os rapazes. “Coitada da minha mãe, mal sabia ela que o perigo era eu”, comenta rindo.

Perigo esse que se transformou em motivo de euforia para dona Maria, que considerou um milagre o noivado de Neusa com um ‘bom partido’, atleta, bonito e rico. A alegria durou pouco. Nas vésperas do casório, Neusa rompeu com o atleta e anunciou que se casaria com Geraldo Magela Fonseca, na época um simples funcionário dos Correios, feio, desajeitado, e extremamente magro. Quando se casaram, ele pesava 47 kg.

MINI SAIA
Maria se recusou a ir à igreja no dia do casamento de sua filha. Neusa se casou de branco como manda a tradição, porém, já que todo mundo se casava de branco, ela optou por não entrar na também tradição do longo, se casando com um vestido na altura dos joelhos. “Já que eu já era um escândalo mesmo, resolvi escandalizar ainda mais. Me casei em uma segunda-feira de manhã”. Com Geraldo, Neusa teve dez filhos, sendo oito mulheres.

Neusa, Geraldo e Cia foram viver no interior de Minas Gerais, na cidade de Campanha. Neusa fazia tudo sozinha, enquanto Geraldo trabalhava tanto que chegava em casa carregado por seus colegas dos Correios, como lembra uma de suas filhas Carla Mourão, 46 anos. Na época de Natal, Geraldo embrulhava os presentes que os Correios davam aos filhos dos funcionários e colocava embaixo da árvore, como se fosse ele quem tivesse comprado. “O dia que eu ganhei um boneco Feijãozinho, da Estrela, pensei que meu pai tinha ficado rico. Quando a gente podia levar biscoitos Mirabel para escola, também era uma sensação.”, conta Neusa Mourão, 40 anos, homônima de sua mãe. Jaqueline, de 45 anos brinca, “se eu não tivesse todas essas irmãs aí, eu poderia ter tido todas as calças jeans que eu quisesse”, comenta às gargalhadas.

TRAGÉDIAS
Apesar da força, alguns fatos na vida de Neusa conseguiram deixá-la apática. As mortes trágicas de quatro irmãos. Arcanjinho morreu ainda jovem, assassinado com um tiro a queima roupa, por estar perto do homem que era realmente o alvo dos assassinos. Orlando, engenheiro, morreu a dois anos, em um acidente, enquanto trabalhava medindo uma estrada, um caminhão o atingiu. Naná morreu nos braços de seu namorado, após uma crise de pressão alta e Toninho morreu de cirrose.

Enfrentando todas as dificuldades, Neusa e Geraldo conseguiram ver todos os filhos formados, sendo que a maioria foi viver na capital mineira. Quando apenas o caçula Geraldinho ainda vivia com o casal, André, o mais velho, foi diagnosticado com câncer de próstata. Neusa fez uma promessa de que se seu filho se curasse, ela ajudaria as primeiras crianças que encontrasse e estivessem necessitando da proteção de uma mãe. Dito e feito. André não só se curou da doença, como depois teve duas filhas, Sara, de 22 anos e Carolina, de 19.

PROMESSA 
O padre que assegurou perante Deus que a promessa de Neusa seria comprida, conversou com o Todo Poderoso e decidiu livrá-la do combinado divino, pois ela era velha demais para ter mais filhos. Mesmo assim, aos 53 anos, Neusa adotou gêmeos que foram abandonados com semanas de vida. Wellington e Wildren, de 20 anos, conhecidos como Tom e Dedé hoje são tios de 16 sobrinhos, alguns mais velhos que eles próprios.

Um dia, Andréia, a filha mais velha, deu de presente para os pais passagens para Arraial D´Ajuda, no Sul da Bahia. Neusa se apaixonou pelo lugar, voltou para Campanha, vendeu o sítio onde viviam e se mudou com os gêmeos para Arraial. “Só me arrependo de não ter ido antes para Arraial, eu moça ia aproveitar muito mais isso aqui”, comenta.

Hoje Neusa vive apenas com seu marido na casa que construíram na praia do Mucugê. Com o espírito ainda daquela menina que amava admirar o céu estrelado ao som da voz do avô declamando poesias, Neusa ainda prega algumas peças em sua família. A última foi escalar a ponte Story Bridge, de 80 metros, na cidade Brisbane, na Austrália, onde André vive hoje com sua família. No cotidiano, a vida segue tranquila, Neusa continua cortando as saias das netas bem curtas, dando conselhos que mães geralmente não dão, fazendo artesanatos e sempre olhando o céu estrelado. “O melhor de ser velha é poder fazer o que você quiser, no máximo vão pensar que você é louca, esqueceu de tomar os remédios, e no mínimo dirão, “deixa, ela já ta velhinha”, conclui.

A sempre sorridente Neusa

O polêmico vestido de casamento

A família Mourão

Sr. Geraldo e os filhos

Dona Neusa e os filhos

A kombi utilizada pela família

Sr. Geraldo e Dona Neusa

                                                                                                     (Fotos: Acervo da família)

Um comentário:

  1. Gente,
    que D. Neusa é essa? Adorei a história...quem é ela????
    Carla, há alguns probleminhas de estrutura no seu post mas eu gostaria muito que você corrigisse para ele ficar perfeito. Me procure em sala para eu te dizer pessoalmente.
    abs,

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